Então é natal, e o que você fez?


Jinglle Bell, hohoho e blá blá blá. É véspera de natal e as pessoas estão desde cedo na cozinha, preparando aquela ceia bem gordurosa, com comidas pesadas, enquanto aquele tio mala está tentando esconder das crianças a fantasia QUENTE de papai noel, mesmo sabendo que vai ter que tomar uns gorós antes de vestir pra poder aguentar o tanto que o diacho da barba pinica. Tudo altamente recomendável ao nosso clima tropical. Na boa, é difícil levar a sério uma época em que um dos maiores símbolos é um velho todo encapotado com roupas de lã que entra pela chaminé das casas pra dar presentes. COMO ter chaminé no Rio de Janeiro, que nos dias mais frios chega no máximo aí a uns 16°C? Aqui se chove nego já coloca casaco!!! Bem. Não, eu não ligo muito pra natal. Não sinto o “espírito natalino” e talz. E vou dar algumas razões pra isso.

Eu gosto de tradições, e respeito a data como tal. Mas, como diria Lois Lane num dos episódios da série Lois & Clark, pra mim natal é um dia legal, assim tipo o dia da árvore. Porque, né? Vamos combinar que, considerando-se Jesus como uma figura histórica, e os evangelhos como uma narrativa mesmo que só aproximadamente histórica (seus incrédulos!), dezembro é inverno no hemisfério norte (rá, vocês sabiam que Jesus nasceu no hemisfério norte?), e como os evangelhos podem narrar a presença de pastores no nascimento do guri em pleno inverno? Que diabos (ops!) aquelas ovelhas e vacas (oi?) estavam fazendo lá no inverno? Deixando claro, a Palestina não é Rio de Janeiro, onde não existe um frio decente. Em Israel NEVA. Bem. Minha fé tem suas limitações, como podem notar. Além disso, dia 25 de dezembro (respeitadas as diferenças de calendário) era uma data comemorativa pagã famosa em Roma (as “saturnálias”, se não me engano). Daí o motivo de resolverem, lá nos primórdios do cristianismo, fazer dessa data o dia do nascimento de Jesus. Ficava mais fácil pro povo assimilar, sabem como é. Ah, a árvore enfeitada? Coisa dos celtas, que penduravam frutas e doces nas árvores das florestas durante algumas festas. Pra quem gosta de sincretismo, o natal é a data ideal (a História destrói certas imagens que as pessoas têm a respeito de certas coisas, cuidado com ela).

Mas é claro que nada disso me desanima a festejar. Eu gosto da páscoa, por exemplo, mesmo com coelhos que botam ovo de chocolate (é ainda mais inverossímil que o velho vestido de lã descendo por uma chaminé no Rio de Janeiro). Mas, sobre o natal, tirando o fato de que a data aqui em terras tupiniquins cai na estação do ano em que meu mau humor ultrapassa todos os níveis considerados saudáveis pra convivência em sociedade, uma das coisas que me irritam é que aparentemente do nada a população se reproduz por geração espontânea. Já notaram a QUANTIDADE de gente circulando na rua nessa época do ano? É a época do consumismo desenfreado. Todos os canais, todas as vitrines, todas as esquinas gritam “COMPRE, COMPRE, COMPRE”. Sei lá, isso não me parece muito cristão, já que Jesus (aquele mesmo que dizem que nasceu no inverno cercado por vacas e ovelhas) era um carpinteiro que, segundo ele mesmo, não tinha nem onde repousar a cabeça. Contradições das tradições na era do capitalismo. Well.

Aliás, falando em canais, ô época do ano INSUPORTÁVEL pra se ligar a TV. Eu já não sou muito fã desse eletrodoméstico, mas na semana do natal a coisa fica inviável. Todos os filmes falam de natal (é claro, cheio de muita neve – eu tento com isso condicionar meu cérebro a pensar que está frio, mas o corpo não acredita), todos os programas dão receitas de peru e bichos com nomes esquisitos que ninguém nunca viu vivo (bacalhau, por exemplo; alguém já viu um bacalhau vivo?) como chester, tender, pernil (dizem que esse último é um pedaço de porco... Não sei porque não faço questão de conferir, já que não como porco. Deve ser meu lado judeu se manifestando. Aliás, não é interessante comemorarem com porco o nascimento de um judeu?), sem contar as “celebridades” fazendo “caridade” em frente às câmeras, graças ao “espírito de natal”... No resto do ano os pobres que se danem, basicamente. E a música da Simone, MEUDEUSDOCÉU, a música da Simone tocando a cada dois minutos e meio num raio de cinco quilômetros em qualquer lugar que você vá – “então é natal, e o que você fez? O ano termina e nasce outra vez” e blá, blá. Desde meus 13 ou 14 anos eu ouço essa música tocando exaustivamente TODO final de ano! Esse povo não enjoa não?! Haja espírito de natal! Aliás, eu tenho a impressão de que você é quase OBRIGADO a sentir o “espírito natalino”, ou as pessoas te olham com cara de pena ou de estranhamento. “Como assim você não fica feliz no natal?” Muita forçada de barra pro meu gosto, sorry.

Mas eu não “odeio” o natal, como pode parecer pelas minhas reclamações (relevem, estamos no verão de 40°>C do Rio de Janeiro e isso é tudo que passa pela minha cabeça nessa época do ano). Rabanada e chocotone, por exemplo, são coisas MUITO legais no natal. Não consigo lembrar de outras, mas deve ter.

A família, ah, a família. Momento em que aqueles primos que você não vê desde o ano passado aparecem de para-quedas na tua casa e vão direto pra geladeira – e ainda reclamam que a cerveja não tá gelada. Quando teu cunhado folgado, que tá te devendo uma nota, pergunta o que você comprou de presente pra ele. Quando sua mãe resolve reclamar que teu marido é um inútil, não entende porque você se casou com ele, diz que você escolheu muito mal e na verdade tinha que ter se casado com o IRMÃO dele. Ou então aquela tia velha pergunta, se você é solteira, porque até agora não arrumou um marido. “Olha, você já tá passando da idade de casar, viu?” (no meu caso, inclusive, pelos padrões dessa gente, já passei). Aham. Minhas respostas pra esse tipo de comentário normalmente não são muito coerentes com o “espírito de natal”.

Enfim, pra você que adora essa época, espera ansiosa (o) pra abrir os presentes, se empanturrar com todas aquelas comidas gordurosas, abraçar aquele parente que durante o resto do ano você só fala mal, e desejar que “Jesus nasça em seu coração” (oi?), aproveite bastante. De minha parte, vou ficar aqui relendo O Senhor dos Anéis – As Duas Torres e comendo minha pizza quatro queijos, contando os minutos pra que o Réveillon chegue logo – essa sim, uma festa que eu acho digna de ser comemorada. Ok que a noção de tempo é algo inventada pelo homem e que dia primeiro de janeiro de qualquer ano é exatamente igual ao dia trinta e um de dezembro do ano anterior... Mas a gente sempre espera que algo diferente aconteça. Então, feliz natal pra quem curte, assista a um filme ou leia um livro quem não curte, e que venha o ano novo!

P.s.: Uma coisa que eu não entendo é: por que os ateus e os Flinstones comemoram o natal?

O que você quer ser quando crescer?


Relendo um texto que escrevi há cerca de dois anos, me dei conta de que nunca soube efetivamente o que fazer da vida. Acho lindo aquelas pessoas que, desde criança, mostram um talento inato pra determinada profissão. Sempre estive bem longe disso, e, arrumando minhas bugigangas esta semana (diários, agendas, recados de amigos, etc – as coisas que uma mudança nos força a fazer), confirmei isso sem sombra de dúvidas.

A lembrança mais antiga que tenho é de alguém me perguntando, numa padaria, armazém ou papelaria qualquer onde fui com algum primo, numa época em que o balcão me parecia algo assim como a Muralha da China (que eu não fazia idéia do que era), o que eu queria ser quando crescesse; minha pronta resposta foi: “bailarina” (oi?). Desde aquela época – que eu não lembro muito bem quando foi – eu já quis ser de engenheira elétrica a psicóloga, passando por jornalista e anatomista, entre outras coisas. Acabei me formando Bacharel em Dança (oi??), mas isso é só um detalhe. Acreditem, só um detalhe MESMO.

Pra começar, eu odiava o colégio onde cursei o ensino fundamental (que na época ainda se chamava primeiro grau). Queria sair de lá de qualquer maneira. Passou brevemente pela minha cabeça fazer ensino técnico em processamento de dados mas, como não havia essa opção no meu município, fui convencida a abandonar o projeto. Minha mãe conseguiu uma vaga num outro colégio municipal pra “Formação Geral” (ainda existe isso?) no ensino médio, e, por causa do meu primeiro namoradinho, eu cismei que queria ir pra uma escola técnica, não pra escola onde minha mãe conseguiu vaga. Como eu sou pior do que mula empacada quando cismo com alguma coisa, bati o pé que faria o concurso pra tal escola técnica de qualquer maneira. Minha mãe ameaçou: se eu não passasse, ficaria no mesmo colégio e ainda faria “Formação de Professores” (a terceira opção da época pra quem fosse cursar ensino médio, além da tal “Formação Geral” e do ensino técnico). Pânico, horror, pavor!!! Eu, professora???? Never! Guardem esta informação para verificações futuras.

Quando fui fazer a inscrição do concurso, a menina me perguntou pra qual curso eu iria. Naquela escola eram três: Edificações, Eletrotécnica e Administração. Como eu nunca tinha ouvido falar nem fazia a menor idéia do que eram os dois primeiros, minha opção foi na lógica: “Bota Administração aí”. Resultado: Passei.

Meu namoradinho era de Eletrotécnica e, consequentemente, eu andava com muitos alunos do curso. A paixão por ele não durou muito tempo, mas em compensação a paixão pela ideia de fazer plantas naquelas mesas de desenho iradas, usar papel vegetal, régua T, aranha e escalímetro assumiu o lugar. Vivia enfiada nas salas de desenho do colégio, passeando pra cima e pra baixo com o material emprestado pelos meus amigos e desenhando plantas de casas bizarras. Aí eu cismei que seria engenheira elétrica (é claro que o fato de ter dificuldades pra fazer uma conta simples de somar não vinha ao caso).

Foi mais ou menos ali pelo ano de 95, 96 que eu me apaixonei por uma série de televisão: “Lois & Clark, as novas aventuras do Superman”. Esqueci as plantas, os desenhos, minha ambição de ser engenheira elétrica e só conseguia pensar numa coisa: Jornalismo! Eu era a própria Lois encarnada!!! Sempre li e escrevi compulsivamente, a coisa parecia mais adequada do que o mundo de números da Engenharia, qualquer que fosse ela. Administração, who?

Aí, lá pro final do curso, eu comecei a ter aulas de Psicologia. A série já tinha descambado pro limbo televisivo, eu não tinha internet pra alimentar o vício, e a Lois que existia em mim foi cuidadosamente engavetada pra dar lugar a uma pseudo-psicóloga, que achava que todas as atitudes humanas poderiam ser explicadas cientificamente (eu e minha necessidade de explicar tudo). Essa acabou não durando muito. Quando me formei, consegui um estágio – surpresa! – na área de Administração, é óbvio.

Uma outra grande paixão da minha vida foi o militarismo. Sempre fui apaixonada por fardas, e sonhava vestir uma. Depois do estágio eu arrumei um emprego e, cerca de um ano depois, uma colega de trabalho falou sobre um curso preparatório pras escolas militares. E lá fui eu. Sargento Especialista da Aeronáutica (apenas uma estação antes do meu objetivo, que era passar pra Marinha como tenente). A área? Administração, óóóbvio, fazer o que. Mais ou menos nessa época os computadores voltaram a me tentar – nunca deixaram totalmente, pra ser sincera –, vivia enfiada no setor de informática do meu trabalho, me metia a mexer em micros que davam pane, escarafuchar impressoras matriciais e tive um rápido namorico com um dos garotos de lá. Mas nada mais importava fora Guaratinguetá e a Escola de Especialistas. Bem, essa é uma fase triste da minha vida; não passei.

Como a carreira militar tinha limitações de idade, em determinado momento eu desisti de tentar – porque, né, já deu – e resolvi fazer vestibular. Por uma epifania não muito explicável racionalmente até hoje, decidi pela faculdade de Dança – que eu sequer sabia existir, até o momento que resolvi procurar. Fui pro pré-vestibular (porque, depois de três anos de pré-militar eu poderia saber muita coisa sobre Administração, Contabilidade e Estatística, mas definitivamente não fazia idéia do que era mitose e meiose, não lembrava muito bem quais eram os estados brasileiros e minha capacidade de ir além dos cálculos essenciais da matemática financeira – que nunca foi grande coisa – estava seriamente prejudicada), com a cabeça em Dança na UFRJ e, só pra não perder a viagem, História na UERJ. Guardem também este detalhe: História.

Um belo dia, quando não havia nada pra fazer no trabalho, resolvi escrever um texto sobre a guerra do Iraque; despretensiosamente, só porque eu sempre tive uma necessidade absurda de dar pitaco em qualquer coisa. Em época de vestibular, claro que pensei em levar meu textinho pra algum professor avaliar – afinal, vestibular tem redação, né?! Ou pelo menos na minha época tinha. Não podendo segurar a ansiedade até a aula de redação – que seria só na sexta-feira, e ainda era começo da semana – mostrei o texto pro professor de Literatura. Ele perguntou se podia levar o texto e falar comigo depois. Eu sempre saía do curso correndo pro trabalho, não teria tempo depois da aula mesmo, então não vi problemas quanto a isso. Eis que a criatura me aparece na semana seguinte, com uma pilha de jornais na mão (um jornal local), e começa a distribuir pela sala. Eu não sabia, mas o ser era editor do jornal do município, e publicou meu texto. Em cerca de 24 horas eu me transformei de uma ilustre desconhecida em sensação do curso. E quem me conhece sabe o quanto eu a-do-ro holofotes [ironia detected]. Quando a professora de redação resolveu emitir seu parecer sobre o assunto – LENDO o texto em voz alta, na aula seguinte – eu lentamente fui escorregando pela cadeira e, no final, já estava quase debaixo da mesa (e, não, isso não é um exagero). Essa foi minha veia Lois Lane se manifestando novamente; o curso inteiro jurava que eu faria Jornalismo. A meia dúzia que me perguntou reagiu com cara de interrogação ao saber que eu faria Dança. “Existe isso?”

Existe. Daí eu fui parar num curso desconhecido, com matérias com nomes esquisitos tipo “Fundamentos dos Parâmetros da Dança – Ritmo” e “Progressões do Movimento Segmentar”, e descobri que teria que estudar coisas como Anatomia, Bioquímica, Fisiologia, Cinesiologia... Peraí; eu disse Anatomia? Eu me dei conta na semana da matrícula de que teria 90 (eu disse NOVENTA) horas de aulas PRÁTICAS de Anatomia. Quer dizer, como assim? Eu vou ter que mexer em cadáver?! Por pelo menos uns dois dias eu considerei seriamente desistir da vaga numa universidade pública. Aliás, minhas primeiras aulas de Anatomia seriam hilárias (pra qualquer um) se não fossem apavorantes (pra mim). Eu entrava no laboratório mais ou menos como os protagonistas de filmes de terror abrem a porta pra constatar que barulho foi aquele no meio da noite. Eu jurava que daria de cara com um zumbi atrás de alguma porta a qualquer momento. Essas foram só as primeiras aulas. O resultado foi que, no semestre seguinte, eu já era monitora da disciplina e consequentemente uma das responsáveis por dar as aulas práticas – inclusive montando e corrigindo as provas com aqueles mesmos cadáveres (ou pedaços deles) que tanto me metiam medo. Professora, eu? Ehr...

Nessa época eu alimentei por algum tempo o delírio de pedir reingresso pra Medicina ou algo do tipo, só pra poder ser anatomista. É óbvio que isso não sobreviveu à(s - duas) reprovação (ões) em Bioquímica.

No quarto período eu entrei em crise (a primeira – quem nunca passou por crises durante a faculdade?) e cismei que ia trancar a matrícula e mudar pra História (História, lembram? Tem mais). Alguns amigos me impediram e eu perseverei aos trancos e barrancos até o (recente) fim. O resultado parcial dessa salada toda é o seguinte: no fim da faculdade a tentação das Biomédicas voltou, com minha breve intenção de tentar um mestrado pra Neurofisiologia (cuma?); mas como minha paixão nesse caso exigiria outros talentos que eu definitivamente não possuo (Química pra mim se resume a um monte de C ligados por tracinhos e que não fazem sentido algum), decidi mesmo pelo mestrado em História (olhaí). Obviamente, com uma formação em Dança, seria meio lógico pensar que meu projeto fala acerca de algum grande nome da Dança Moderna, ou, recuando muito no tempo, talvez discuta algum aspecto do Balé da Corte. Bom. Com esse retrospecto, eu só digo uma coisa: Meu tema é sobre o corpo como agente religioso na Palestina do I século.

É melhor nem tentar entender. Como diz uma das minhas comunidades no Orkut, “O que eu quero ser não existe”.