O que você quer ser quando crescer?


Relendo um texto que escrevi há cerca de dois anos, me dei conta de que nunca soube efetivamente o que fazer da vida. Acho lindo aquelas pessoas que, desde criança, mostram um talento inato pra determinada profissão. Sempre estive bem longe disso, e, arrumando minhas bugigangas esta semana (diários, agendas, recados de amigos, etc – as coisas que uma mudança nos força a fazer), confirmei isso sem sombra de dúvidas.

A lembrança mais antiga que tenho é de alguém me perguntando, numa padaria, armazém ou papelaria qualquer onde fui com algum primo, numa época em que o balcão me parecia algo assim como a Muralha da China (que eu não fazia idéia do que era), o que eu queria ser quando crescesse; minha pronta resposta foi: “bailarina” (oi?). Desde aquela época – que eu não lembro muito bem quando foi – eu já quis ser de engenheira elétrica a psicóloga, passando por jornalista e anatomista, entre outras coisas. Acabei me formando Bacharel em Dança (oi??), mas isso é só um detalhe. Acreditem, só um detalhe MESMO.

Pra começar, eu odiava o colégio onde cursei o ensino fundamental (que na época ainda se chamava primeiro grau). Queria sair de lá de qualquer maneira. Passou brevemente pela minha cabeça fazer ensino técnico em processamento de dados mas, como não havia essa opção no meu município, fui convencida a abandonar o projeto. Minha mãe conseguiu uma vaga num outro colégio municipal pra “Formação Geral” (ainda existe isso?) no ensino médio, e, por causa do meu primeiro namoradinho, eu cismei que queria ir pra uma escola técnica, não pra escola onde minha mãe conseguiu vaga. Como eu sou pior do que mula empacada quando cismo com alguma coisa, bati o pé que faria o concurso pra tal escola técnica de qualquer maneira. Minha mãe ameaçou: se eu não passasse, ficaria no mesmo colégio e ainda faria “Formação de Professores” (a terceira opção da época pra quem fosse cursar ensino médio, além da tal “Formação Geral” e do ensino técnico). Pânico, horror, pavor!!! Eu, professora???? Never! Guardem esta informação para verificações futuras.

Quando fui fazer a inscrição do concurso, a menina me perguntou pra qual curso eu iria. Naquela escola eram três: Edificações, Eletrotécnica e Administração. Como eu nunca tinha ouvido falar nem fazia a menor idéia do que eram os dois primeiros, minha opção foi na lógica: “Bota Administração aí”. Resultado: Passei.

Meu namoradinho era de Eletrotécnica e, consequentemente, eu andava com muitos alunos do curso. A paixão por ele não durou muito tempo, mas em compensação a paixão pela ideia de fazer plantas naquelas mesas de desenho iradas, usar papel vegetal, régua T, aranha e escalímetro assumiu o lugar. Vivia enfiada nas salas de desenho do colégio, passeando pra cima e pra baixo com o material emprestado pelos meus amigos e desenhando plantas de casas bizarras. Aí eu cismei que seria engenheira elétrica (é claro que o fato de ter dificuldades pra fazer uma conta simples de somar não vinha ao caso).

Foi mais ou menos ali pelo ano de 95, 96 que eu me apaixonei por uma série de televisão: “Lois & Clark, as novas aventuras do Superman”. Esqueci as plantas, os desenhos, minha ambição de ser engenheira elétrica e só conseguia pensar numa coisa: Jornalismo! Eu era a própria Lois encarnada!!! Sempre li e escrevi compulsivamente, a coisa parecia mais adequada do que o mundo de números da Engenharia, qualquer que fosse ela. Administração, who?

Aí, lá pro final do curso, eu comecei a ter aulas de Psicologia. A série já tinha descambado pro limbo televisivo, eu não tinha internet pra alimentar o vício, e a Lois que existia em mim foi cuidadosamente engavetada pra dar lugar a uma pseudo-psicóloga, que achava que todas as atitudes humanas poderiam ser explicadas cientificamente (eu e minha necessidade de explicar tudo). Essa acabou não durando muito. Quando me formei, consegui um estágio – surpresa! – na área de Administração, é óbvio.

Uma outra grande paixão da minha vida foi o militarismo. Sempre fui apaixonada por fardas, e sonhava vestir uma. Depois do estágio eu arrumei um emprego e, cerca de um ano depois, uma colega de trabalho falou sobre um curso preparatório pras escolas militares. E lá fui eu. Sargento Especialista da Aeronáutica (apenas uma estação antes do meu objetivo, que era passar pra Marinha como tenente). A área? Administração, óóóbvio, fazer o que. Mais ou menos nessa época os computadores voltaram a me tentar – nunca deixaram totalmente, pra ser sincera –, vivia enfiada no setor de informática do meu trabalho, me metia a mexer em micros que davam pane, escarafuchar impressoras matriciais e tive um rápido namorico com um dos garotos de lá. Mas nada mais importava fora Guaratinguetá e a Escola de Especialistas. Bem, essa é uma fase triste da minha vida; não passei.

Como a carreira militar tinha limitações de idade, em determinado momento eu desisti de tentar – porque, né, já deu – e resolvi fazer vestibular. Por uma epifania não muito explicável racionalmente até hoje, decidi pela faculdade de Dança – que eu sequer sabia existir, até o momento que resolvi procurar. Fui pro pré-vestibular (porque, depois de três anos de pré-militar eu poderia saber muita coisa sobre Administração, Contabilidade e Estatística, mas definitivamente não fazia idéia do que era mitose e meiose, não lembrava muito bem quais eram os estados brasileiros e minha capacidade de ir além dos cálculos essenciais da matemática financeira – que nunca foi grande coisa – estava seriamente prejudicada), com a cabeça em Dança na UFRJ e, só pra não perder a viagem, História na UERJ. Guardem também este detalhe: História.

Um belo dia, quando não havia nada pra fazer no trabalho, resolvi escrever um texto sobre a guerra do Iraque; despretensiosamente, só porque eu sempre tive uma necessidade absurda de dar pitaco em qualquer coisa. Em época de vestibular, claro que pensei em levar meu textinho pra algum professor avaliar – afinal, vestibular tem redação, né?! Ou pelo menos na minha época tinha. Não podendo segurar a ansiedade até a aula de redação – que seria só na sexta-feira, e ainda era começo da semana – mostrei o texto pro professor de Literatura. Ele perguntou se podia levar o texto e falar comigo depois. Eu sempre saía do curso correndo pro trabalho, não teria tempo depois da aula mesmo, então não vi problemas quanto a isso. Eis que a criatura me aparece na semana seguinte, com uma pilha de jornais na mão (um jornal local), e começa a distribuir pela sala. Eu não sabia, mas o ser era editor do jornal do município, e publicou meu texto. Em cerca de 24 horas eu me transformei de uma ilustre desconhecida em sensação do curso. E quem me conhece sabe o quanto eu a-do-ro holofotes [ironia detected]. Quando a professora de redação resolveu emitir seu parecer sobre o assunto – LENDO o texto em voz alta, na aula seguinte – eu lentamente fui escorregando pela cadeira e, no final, já estava quase debaixo da mesa (e, não, isso não é um exagero). Essa foi minha veia Lois Lane se manifestando novamente; o curso inteiro jurava que eu faria Jornalismo. A meia dúzia que me perguntou reagiu com cara de interrogação ao saber que eu faria Dança. “Existe isso?”

Existe. Daí eu fui parar num curso desconhecido, com matérias com nomes esquisitos tipo “Fundamentos dos Parâmetros da Dança – Ritmo” e “Progressões do Movimento Segmentar”, e descobri que teria que estudar coisas como Anatomia, Bioquímica, Fisiologia, Cinesiologia... Peraí; eu disse Anatomia? Eu me dei conta na semana da matrícula de que teria 90 (eu disse NOVENTA) horas de aulas PRÁTICAS de Anatomia. Quer dizer, como assim? Eu vou ter que mexer em cadáver?! Por pelo menos uns dois dias eu considerei seriamente desistir da vaga numa universidade pública. Aliás, minhas primeiras aulas de Anatomia seriam hilárias (pra qualquer um) se não fossem apavorantes (pra mim). Eu entrava no laboratório mais ou menos como os protagonistas de filmes de terror abrem a porta pra constatar que barulho foi aquele no meio da noite. Eu jurava que daria de cara com um zumbi atrás de alguma porta a qualquer momento. Essas foram só as primeiras aulas. O resultado foi que, no semestre seguinte, eu já era monitora da disciplina e consequentemente uma das responsáveis por dar as aulas práticas – inclusive montando e corrigindo as provas com aqueles mesmos cadáveres (ou pedaços deles) que tanto me metiam medo. Professora, eu? Ehr...

Nessa época eu alimentei por algum tempo o delírio de pedir reingresso pra Medicina ou algo do tipo, só pra poder ser anatomista. É óbvio que isso não sobreviveu à(s - duas) reprovação (ões) em Bioquímica.

No quarto período eu entrei em crise (a primeira – quem nunca passou por crises durante a faculdade?) e cismei que ia trancar a matrícula e mudar pra História (História, lembram? Tem mais). Alguns amigos me impediram e eu perseverei aos trancos e barrancos até o (recente) fim. O resultado parcial dessa salada toda é o seguinte: no fim da faculdade a tentação das Biomédicas voltou, com minha breve intenção de tentar um mestrado pra Neurofisiologia (cuma?); mas como minha paixão nesse caso exigiria outros talentos que eu definitivamente não possuo (Química pra mim se resume a um monte de C ligados por tracinhos e que não fazem sentido algum), decidi mesmo pelo mestrado em História (olhaí). Obviamente, com uma formação em Dança, seria meio lógico pensar que meu projeto fala acerca de algum grande nome da Dança Moderna, ou, recuando muito no tempo, talvez discuta algum aspecto do Balé da Corte. Bom. Com esse retrospecto, eu só digo uma coisa: Meu tema é sobre o corpo como agente religioso na Palestina do I século.

É melhor nem tentar entender. Como diz uma das minhas comunidades no Orkut, “O que eu quero ser não existe”.

4 Response to "O que você quer ser quando crescer?"

  1. Rangele Guimarães says:
    16 de dezembro de 2010 às 18:59

    No fim sempre acabamos sendo o resquício da primeira imaginação do que queríamos ser. Eu, por exemplo, desde cedo dizia que ia fazer Educação Física, para encurtar, como vc bem sabe, fiz 4 vestibulares, dois para Agronomia (cuma???) e dois para LETRAS... Para por fim, realmente fazer E.Física. Na E.F já entrei em bacharelado com a cabeça "professora, nunca!)... O mundo vai girando, girando, e eu que apenas queria trabalhar com futebol feminino, me encontro com pesquisas de paradesportos, juntando grupos de estudos, e pensando em fazer mestrado... Lógico, com uma possível especialização antes em Psicologia. Uma salada de fruta gigantesca.

    Então, acredito que seres como nós, extremamente insaciáveis por novos conhecimentos, por vezes parecemos tudo querer, ou tudo que tem não é o que queremos, mas incrivelmente, ligando bem os pontos, consigo ver uma certa coerência na sua jornada até agora Nadynne, e espero, mais cedo ou mais tarde, ver uma coerência na minha...

    E sim, tb tentei entrar para colégio militar pq queria seguir a carreira depois... Não passei.

    Caminhos, caminhos, se eles não se encontram, a gente cria outros!
    Um grande abraço, saudades... Ah, e eu ri muito com o: "Química pra mim se resume a um monte de C ligados por tracinhos e que não fazem sentido algum". uhahuauha

    Tchucas, depois te passo meu tel q tu pediu via orkut.
    Gele

  2. Anônimo Says:
    17 de dezembro de 2010 às 12:38

    rs... muito bom... ps: até seus 36 anos dá tempo de entrar em alguma força rs... seria um privilégio ter uma bailarina, historiadora, jornalista, professora, enfim, entre os nossos! rs
    cuide-se

  3. aurêh says:
    25 de dezembro de 2010 às 15:07

    É, Fabiana, a escolha pela profissão normalmente é um martírio. Na sociedade ocidental, sobretudo, onde o TER vale mais do que o SER, a coisa se torna mais complexa. Desde cedo fui seduzido pela arte e mergulhei nela profundamente, não me arrependo disso, ao contrário.
    Uma música minha feita para criaças QUANDO EU CRESCER, brinca com várias profissões e por fim abre: (...)"E outras coisas que quiser, vc pode ser, é só vc acreditar, se dedicar, pro sonho acontecer / Quando eu crescer eu vou ser grande, quando eu crescer eu vou ser"

    Beijos e parabéns pelo blog

    Marco Aurêh

  4. Fabiana Amaral says:
    29 de dezembro de 2010 às 15:52

    Gele, eu te disse que seria um desperdício - pelo seu talento, entre outras coisas - se você não seguisse o rumo acadêmico. Lembra disso? E é sério, quando eu vejo aquelas cadeias de carbono só consigo pensar num monte de C ligado por tracinhos...

    Azul, essa idade é pra oficialato, não? Nesse caso tem carreiras específicas (pelo menos na época que eu fazia prova era assim, mudou algo?)... Não creio que eu, com meu diploma de bacharel em Dança, consiga algo... :( (minha frustração é tão grande que, no momento, por acaso, estou usando uma calça camuflada da Aeronáutica... rs).

    Pois é, Marco, eu sempre tive dificuldade com isso, especialmente porque eu acho a vida curta demais pra eu aprender tudo que gostaria... Obrigada pela visita e volte sempre que quiser! :)

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