Et vice Versailles!

Eu tenho uns vícios de temporada. Assim: em geral eu fico alguns meses (às vezes anos) lendo, ouvindo, pesquisando na internet tudo e qualquer coisa relacionada ao tema no qual estou viciada no momento – e a situação é tensa, porque eu passo realmente horas e horas e horas revendo, relendo, reouvindo as mesmas coisas. Aí, um belo dia, eu resolvo pesquisar outra coisa. Pronto, meu vício mudou. Ou eu simplesmente enjoei. Ou resolvi ressuscitar antigos vícios. A coisa só não é séria de verdade porque eu ainda não tive condições financeiras suficientes pra alimentar meus vícios como eu gostaria. Ou alguém duvida que, assim que eu puder, vou ter várias coleções de bonequinhos, aparadores de livro, pendrive (eu vi um do Yoda genial!) e o que mais eu puder de Senhor dos Anéis, Star Wars, Cavaleiros do Zodíaco (cá entre nós, a Saori é um porre) ou Superman? Hello Kitty é o cacete, eu sou uma elfa Jedi, rapá. Direto da Terra-Média para Coruscant (passando por Krypton).

Pois é, meus vícios são tão estranhos (pra uma balzaquiana, pelo menos) quanto a forma como eles surgem. Quando lançaram o primeiro filme do Senhor dos Anéis eu não sosseguei enquanto não li a trilogia (e O Hobbit, e ainda preciso terminar o Silmarillion). Entrei numas três listas de discussão sobre o assunto (“os balrogs de Tolkien tinham ou não asas?” parecia ser o novo grande questionamento filosófico, em substituição ao “de onde vim, para onde vou?”), me cadastrei em sites como Valinor e Ardalambion, baixei os trailers dos filmes, todas as fontes de Quenya e Sindarin que encontrei (as Tengwar), baixei a versão estendida dos três filmes (com internet discada!!!!), comecei a estudar o Alto-élfico e me “apaixonei” (dentro dos limites de uma neo-adulta, claro – na época eu tinha uns 20 e pouquinho) pelo Legolas do filme – não o Orlando Bloom, dane-se o Orlando Bloom, eu queria o Legolas mesmo, o personagem. Não, eu não tinha muito o que fazer na época, como vocês devem perceber. Não é um vício lá muito útil, mas posso discutir os hábitos dos elfos com qualquer um.

De arrasto com o vício Tolkien / Terra-média, veio o vício RPG. Não que eu já não tivesse travado um certo contato com os mundos fantásticos antes (tenho cartas de Magic guardadas desde a adolescência – nenhum deck completo, infelizmente), mas o D&D, Tormenta, Gurps e demais mundos de fantasia medieval abriram esse panorama consideravelmente. Confesso que ainda não joguei RPG de mesa (falha que estou tentando corrigir), mas já joguei bastante online, tenho uma pasta no HD repleta de imagens de personagens – eu construo os personagens a partir das imagens deles –, todos os livros de D&D baixados e uma história meio escrita de quase duzentas páginas com elfos, humanos, halflings, etc. Bom, nessa época eu já tinha bem mais o que fazer, mas né? Vício é vício.

Isso sem contar meus vícios em Superman (“Lois & Clark – As Novas Aventuras do Superman” em particular), Star Wars, Garfield, e por aí vai. Alguns desses vícios são úteis; por exemplo, no auge da segunda (e mais recente) fase do vício L&C eu comecei a aprender inglês na cabeçada, porque todos os sites com bons conteúdos a respeito da série são em inglês. Além disso, de tanto assistir aos episódios de L&C minha compreensão do idioma aumentou consideravelmente (eu sei várias falas de cabeça, realizem). Alguns eu até assisto com legendas em inglês, porque eu já sei as falas em português mesmo... E é pra falar em outro vício com algo de útil que eu comecei a escrever isso aqui. Quero falar sobre um musical e um livro.

Minha paixão absoluta da temporada, há pelo menos um ano, tem sido Luis XIV. É claro que eu já ouvira falar dele antes disso, afinal, eu sou formada em dança, tive aula de História da Dança e, ora bolas, estou me especializando nisso. Então é claro que eu conhecia algo sobre o Rei Sol e sua contribuição essencial para a profissionalização da dança. Mas a questão não é essa. Aliás, se dependesse da disciplina que eu tive na faculdade, com o professor que eu tive, eu tinha tudo pra ODIAR Luis XIV e o período conhecido como ballet de cour (balé da corte). Enfim, mas deixando os “traumas” pra lá, tudo começou quando uma amiga precisava fazer prova de canto no curso de teatro, e começou a procurar uma música em outro idioma. Ela recém tinha voltado de um intercâmbio na França, e resolveu escolher uma música de um musical de lá. A música era Mon Essentiel, e o musical, Le Roi Soleil. Pronto. As pessoas que me cercam não sabiam, mas iam começar a me aturar enchendo o saco à francesa (aliás, acho que essa minha amiga se arrepende até hoje por ter me apresentado a música). Esse é outro bom exemplo de vício útil que toma minha vida; aprendi muito mais francês revendo o musical, decorando as músicas e lendo sobre Luis XIV do que em seis meses de curso. Pra quem se interessar em baixar o musical, tenho as legendas – cheias de erros que estou corrigindo, diga-se de passagem (porque sou abusada, ho-ho-ho. O que eu disse sobre o vício útil? Já me meto a besta de corrigir legendas com o francês como idioma falado).

La troupe de la comédie musical
(Lysa Ansaldi comme Athénaïs de Montespan ; Christophe Maé comme Phillipe, Le Monsieur, frére du Roi ; Anne Laure Girbal comme Marie Mancini ; Emmanuel Moire comme Le Roi Soleil ; Cathialine Andria comme Françoise de Maintenon ; Merwan Rim comme Duc Beaufort e Victoria Petrosillo comme Isabelle, la fille du peuple).

Emmanuel Moire, Le Roi Louis XIV.
Querido Papai do Céu, será que rola um clone (hetero) dessa criatura aí de cima pra mim? Juro que não O perturbo mais pelo resto da minha vidinha... Que, com um homem desse, pode até ser curta que eu nem ligo...


É claro que o musical, embora inspirado em fatos históricos, tem muito de fantasia. Ele é basicamente calcado sobre três dos principais amores do Rei Sol: Maria Mancini, Athénaïs de Montespan e Françoise de Maintenon, e o apresenta como um homem romântico e apaixonado – coisa que não era exatamente do feitio do notoriamente controlado (e controlador) Luis histórico. Embora ele fosse sim dado a paixões avassaladoras, com uma libido incansável pra lá de famosa (Luis foi pródigo em bastardos), não se pode descrevê-lo exatamente como um romântico. Maria Mancini que o diga. Mas enfim, falemos do musical.

(Para uma descrição detalhada do musical, inclusive com explicações históricas pra certas menções feitas no roteiro que, de outra forma, passariam despercebidas, clique AQUI. O texto ficou gigantesco e nem todo mundo tem a fixação histórica nas coisas que eu tenho – e menos gente ainda, suponho, tem a minha fixação por Luizinho)

De uma maneira geral, o espetáculo é excelente. Os cenários são esplendorosos, o figurino extremamente apurado, nos mínimos detalhes, e a atuação dos atores / cantores não deixa nada a desejar. Emmanuel Moire consegue dar o tom certo de galanteria necessário ao personagem; embora sua beleza tenha sido muito citada à época, para os padrões modernos Luis XIV não era exatamente um homem bonito (ao contrário de seu intérprete, diga-se). Na verdade acredito que ele tenha sido o tipo de homem cujo charme e presença eram tão marcantes que o cercavam de uma aura de beleza que transcendia o físico. Quem é mulher sabe do que eu estou falando.


Luis, por volta dos 20 anos, segundo os escritores da época, “no auge de sua beleza”.

Mas, independente de beleza, se havia algo na corte da França do século XVII que poderia superar qualquer ausência de atrativos físicos era a galanteria – e definitivamente Luis soube ser galante, uma qualidade que Manu conseguiu aplicar muitíssimo bem ao personagem. As representações dos outros também foram muito boas, mas eu faria uma ressalva; acho que faltou um pouco de sensualidade à Montespan. Um dos apelidos dados a ela entre os boêmios era “a Torrente”; ela era uma explosão de sensualidade, algo assim tipo uma Angelina Jolie do século XVII. Enfim, fala-se tanto dos musicais da Broadway, mas definitivamente os musicais franceses (ou francófonos de um modo geral, já que outro musical maravilhoso, Notre Dame de Paris, salvo engano, é canadense) não deixam nada a desejar. É um espetáculo que vale a pena ver – mesmo que seja em vídeo.

Mas ainda falando de Luis XIV, um livro interessantíssimo que recomendo a quem gostaria de saber mais sobre ele é “O Amor e Luis XIV – As Mulheres na Vida do Rei Sol”, de Antonia Fraser, de onde tirei a maioria das informações históricas que usei na descrição detalhada sobre o musical. A autora faz um levantamento minucioso da corte francesa desde antes do nascimento de Luis até os últimos dias do soberano, e não trata apenas de suas amantes, mas de todas as mulheres que foram importantes para o rei, como sua mãe e principal conselheira durante anos, suas filhas, suas cunhadas e a esposa de seu neto, uma criança que foi muito amada por ele. É uma narrativa detalhada e leve, fácil de ler e difícil de parar. Mais do que o Rei Luis, temos um retrato de como era o Homem Luis. Recomendo vivamente.

Por fim, pra terminar este post enorme sobre meus vícios e, em especial, sobre meu vício atual, apelo a Liselotte, segunda cunhada de Luis XIV, e deixo que ela fale sobre o que me fascina na vida do Rei Sol e sua época:

“Acredito que as histórias que serão escritas sobre esta corte depois que todos desaparecermos serão melhores e mais interessantes que qualquer romance... e temo que as gerações futuras não sejam capazes de acreditar nelas e pensem que não passam de contos de fadas.”

* O título deste post é o nome de uma das músicas do Le Roi Soleil.