Sobre o aborto



Então, passada a fase da frescurite aguda (mentira, mas cansei de falar nisso - "Supere isso e, se não puder superar, supere o vício de falar a respeito", já dizia Caio Fernando Abreu)...

Semana passada, na aula de Sociologia, no meio das discussões surgiu o assunto aborto - e esse é um tema polêmico em qualquer lugar, a qualquer tempo. Há muito que ser pensado quando se trata de concordar ou discordar de algo assim. As questões morais envolvidas são muitas, as religiosas, nem se fala. Então eu vou escrever aqui algumas coisas que penso a respeito desse assunto espinhoso.

Pra começo de conversa, religiosamente falando, eu sou contra - exceto em casos de violência sexual ou em casos em que a vida da mãe corra riscos. Mas religião é aquilo, ou você tem, ou você não tem, então vamos pular essa parte e vamos às questões morais e práticas em se tratando de sociedade brasileira.

Um dos principais argumentos favoráveis é o fato da mulher poder dispor de seu corpo como bem entender. Mas até que ponto é do corpo da mulher que estamos falando? A partir de quando o feto pode ser considerado um ser vivo - e aí não é do corpo feminino que estamos falando, mas de um outro corpo, o corpo de um ser que momentaneamente é dependente daquela mulher? Ok, um cachorro, uma árvore também são seres vivos, e aí? Um feto pode ser considerado um indivíduo? E o chamado "sofimento fetal", que acontece em algumas situações quando há complicações no parto? É muito delicado determinar até onde vai o direito da mulher de agir sobre seu corpo e onde começa o direito de uma criança que ainda não nasceu. É quase como determinar quando começa efetivamente a vida - porque, a partir daí, seria assassinato. O enrosco moral que cerca esse tema tá longe de ser resolvido.

Agora, falemos sobre assuntos práticos; não é melhor liberar o aborto ao invés de presenciar a multiplicação de menores infratores, pais que abandonam seus filhos em lixeiras ou crianças que muitas vezes ficam trancadas em casa sozinhas, à mercê de qualquer tragédia, sem nenhum adulto que olhe por elas? Seria, se isso significasse a diminuição de todos esses fatores - e aqui eu falo da realidade brasileira. Ah, a camisinha estourou, bebi demais e não pensei nisso na hora, o tesão era mais forte do que a precaução... Pílula, conhece? Pílula do dia seguinte, já ouviu falar? É mais barato do que um aborto, seja ele legal ou não - e causa menos estragos pra todo mundo. Sejamos francos: alguém que não tem dinheiro pra comprar uma camisinha, que custa aí menos de R$ 2,00 (e pode ser obtida gratuitamente em postos de saúde!), ou um outro contraceptivo qualquer (a chamada "pílula do dia seguinte" resolve todas as desculpas da camisinha que estoura, da bebida ou do excesso de tesão), vai ter dinheiro pra pagar uma intervenção cirúrgica como o aborto? Ou, no caso dele ser oferecido pelo Sistema Único de Saúde, sejamos realistas; nossos hospitais públicos mais parecem matadouros do que lugares onde vidas são salvas. É recorrente na mídia reportagens sobre a falência do sistema público de saúde, com pacientes abandonados em corredores sem o mínimo de higiene, e outros que são mandados embora pra morrer em casa. Que condições esses lugares podem oferecer no caso de milhares de mulheres fazendo fila em suas portas, querendo tirar de dentro de si um feto - que, com um pouco mais de cuidado e atenção, não teria sido posto ali? Pessoas esperam MESES por uma simples consulta, quanto mais por uma cirurgia; no caso de uma gravidez, essa espera não pode ser longa ou o aborto não pode mais ser feito. Aí tiramos a vaga de alguém que depende de uma cirurgia pra sobreviver pra dar lugar a uma irresponsávei que daqui a seis meses pode estar lá de novo, na mesma situação. Ah, me poupe.

Talvez eu seja muito dura com alguns assuntos, com a realidade da maioria das pessoas. Talvez minha visão seja muito antiquada, tacanha, radical. Pode ser. Mas o que eu vejo é um monte de gente que não tem um pingo de bom senso pra cuidar de si mesmo, muito menos de uma criança. Sou mais favorável à esterilização (ok, me chamem de facista) do que ao aborto. Não tem condições de ter filhos, não pode cuidar? Então faça laqueadura das trompas - uma intervenção bastante simples e rápida, bem mais que o aborto, e que pode esperar alguns meses pra ser feita. Amanhã ou depois conseguiu condições? Adote. Há milhares de crianças por esse Brasil afora precisando de um lar e de carinho. Agora, aborto não vai resolver a situação dos brasileiros pobres que procriam mais do que coelhos, se esses mesmos pobres não se preocupam sequer em usar contraceptivos pra prevenir que mais e mais crianças sejam jogadas nesse mundo sem um pingo de condições de vida.

Religiosamente eu sou contra, moralmente eu tenho uma certa margem de dúvidas. Mas, sendo pragmática, a verdade é que tornar o aborto uma prática legal no Brasil provavelmente vai criar ainda mais problemas do que soluções para os que já existem. Se não houver uma mudança de postura e uma radical educação sobre os meios de se evitar uma gravidez indesejada, o aborto só vai tornar nosso sistema público de saúde mais saturado, e vai acabar gerando uma revolta na população que acha que pode fazer filho como quem troca de roupa, com a falsa garantia de que em qualquer hospital vai poder resolver isso - assim, como quem toma uma aspirina pra dor de cabeça.

* Pausa para descanso finda, de volta aos estudos... "Vejo" vocês sei lá quando, meus dois ou três leitores.

De outros

Pra encerrar o assunto:

‎"Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa."
(Martha Medeiros)

E isso acontece tão poucas vezes na vida...

Enfim. Voltamos a nossa programação normal.

Pequeno surto entre-músicas

Eu preciso de uma noite inteira dançando, a dança como catarse pra esquecer o que eu não consigo mais fingir que não está dentro de mim. Eu preciso de uma pista cheia de gente bêbada, com luzes piscantes e música ensurdecedora, pra me fazer esquecer do seu rosto, um rosto que povoa minha memória, meus pensamentos, a cada respiração eu penso em você, em como eu gostaria que você estivesse aqui, dançando comigo, rindo, celebrando comigo. Minha alegria não é completa sem você, não é mais do que uma mera sombra do que já senti um dia. Sonhei com você esta noite, e você estava tão triste e chorava no meu colo, e eu tenho vontade de chorar só de me lembrar disso. Como você está agora? Não sei, não faço a menor ideia. Não sei se está bem, não sei se está feliz ou triste, ou preocupado, ou sequer se ainda pensa em mim. Eu tento, juro que tento esquecer você, com tanta força como jamais tentei fazer qualquer coisa na vida. Entrego-me à catarse, danço de olhos fechados e atraio olhares, surpreendendo até quem me conhece há muito tempo, tal é minha entrega à dança. Preciso fugir de mim e do tanto de você que ainda existe em mim – eu não consigo separar quem sou eu e quem é você dentro de mim. Sim, eu bebi. Não o suficiente pra perder o ferrenho controle que mantenho sobre mim mesma – só você consegue fazer isso, pode contabilizar na sua lista de conquistas mais esta –, mas só o suficiente pra conseguir ficar um pouco alegre, o que tem sido difícil ultimamente. O suficiente pra tentar vencer a dor ainda que momentaneamente, a saudade que a cada dia me corrói, como se fosse um câncer, devorando cada célula do meu corpo. Danço, danço além do que minha combalida resistência física e respiratória permitem, dancei até ficar sem ar, até passar mal por não conseguir mais respirar. Dancei pra tentar te esquecer – mas cada letra de música canta teu nome, cada vez que fecho os olhos é teu rosto que enxergo. Luto contra mim mesma, luto pra esquecer tudo, luto pra tirar o que ainda há de você dentro de mim, mas é como me matar lentamente. Enfeito-me, seduzo, sorrio, mas tudo me parece vazio. Procuro seu rosto em todos os outros rostos. Sinto as lágrimas assomarem aos olhos com muito mais frequência do que gostaria, e mesmo agora, quando fugi por um momento da minha pseudo-alegria , sinto vontade de chorar por pensar o quanto estaria mais genuinamente feliz com você aqui comigo.

Vou voltar a dançar. Preciso esquecer de mim e de você, porque, dentro de mim, por mais que eu tente negar e esquecer, nós somos um só, e você está aqui comigo. Ainda que sua presença esteja apenas na ausência, ainda que eu tente negar e esquecer, você está sempre comigo.

Porque eu odeio o dia das mães e dos pais




Podem me chamar de insensível, podem achar absurdo, mas eu não suporto essas datas comerciais. Cumprimento por educação, por tradição, mas detesto (a data, não necessariamente cumprimentar quem curte e acha importante). Já mencionei o assunto quando falei sobre o Natal, e nem vou citar o dia dos namorados pra não dar margem a gracinhas. Mas e o dia das mães? E o dia dos pais?

Galera, na boa, essa visão cristã-romântica de que mãe e pai é a melhor coisa da vida nem sempre funciona. Em prol do aumento das vendas o comércio ENCHE NOSSO SACO o tempo todo nas semanas que antecedem essas datas, sem se importar com o sentimento das pessoas.

“Ah, mas mãe e pai são as melhores coisas que existem, e devem ser homenageados à exaustão no seu dia e blá blá blá”.

Ah tá. Então usa esse argumento pra uma pessoa que foi espancada pelos pais a vida toda. Pra alguém que sofreu abuso sexual do próprio pai. Pra alguém que foi abandonado numa lixeira (já que isso parece que virou moda), ou pra quem cresceu vendo os pais se drogarem e/ou se embriagarem. Pra quem viu os pais serem presos por assassinarem a irmã de cinco anos, como é o caso dos filhos do casal Nardoni. Explica isso pra alguém que tem a coragem de matar os próprios pais. Ou pra quem tenta entender como um pai ou uma mãe pode matar os próprios filhos.

Explica também como alguém que perdeu o pai ou a mãe recentemente consegue não se sentir deprimido e com choro fácil no meio de todo esse marketing sentimentalóide. Ou, pior, pra quem perdeu os filhos de forma trágica, como os pais dos adolescentes que foram mortos na chacina da escola em Realengo. Explica pra uma mulher, cujo sonho sempre foi ter filhos e não pode tê-los, como reagir nessa época. Ou pra uma que vê seu sonho de ser mãe se desmoronar diante de um aborto espontâneo.

Quem teve uma vida tranquila ao lado de pais carinhosos não precisa de um dia pra lembrar disso. Quem não teve, bem poderia ser poupado de toda essa avalanche de pressão midiática colocando sal em feridas que, provavelmente, nunca vão cicatrizar.