Marcha, soldado, cabeça de papel...


Se eu for escrever aqui sobre todas as marchas que tem havido, o texto vai ficar grande demais. Então vou me ater à guerra que tem sido travada entre dois grupos: homossexuais e evangélicos.

Antes de mais nada, deixa eu explicar umas coisas. Primeiro: embora esteja ausente há algum tempo de templos, ainda me considero evangélica (crente, protestante, whatever), e ainda admiro as ideias pregadas por John Wesley e propagadas pela Igreja Metodista. Mas, de forma alguma, o que eu digo representa o que é ensinado nessa instituição. Eu sei ler, graças a Lutero tenho acesso à Bíblia (aliás, por causa do mestrado, nos últimos meses eu tenho tido mais acesso do que gostaria, diga-se), e sei pensar sozinha, muito obrigada. Represento minhas próprias ideias e pensamentos, não uma instituição. Eu ouço, filtro, e, de acordo com minha consciência e experiência de vida, resolvo o que me parece coerente ou não. Se você acha que pra seguir alguma religião tem que baixar a cabeça pra tudo que o dirigente diz e concordar com tudo o que é pregado, melhor fechar esta página e ir ler as novidades da Igreja Batista da Lagoinha.

Segundo: Eu defendo o direito inalienável ao respeito pela opinião alheia – e pelo direito de fazer o que bem entender da própria vida, desde que não agrida o outro. Eu não tenho absolutamente nada contra os gays, inclusive conheço alguns que são pessoas maravilhosas – melhores, aliás, que muitos crentes que já vi por aí. Confesso que acho estranho gays se beijando, sejam eles homens ou mulheres. Acho, sim. Mas isso tem a ver com minha criação, com o mundo em que vivi grande parte da vida. Jamais vou discriminar ou maltratar alguém por causa disso, nem condenar ou dar lição de moral. Quem sou eu pra dar lição de moral em alguém? Tenho meus próprios motivos pra ser repreendida, como todo mundo. Quem não tem pecado que atire a primeira pedra – lembram disso?

Isto posto, vamos a algumas coisas que eu tenho visto e que me incomodam muito. Vou começar com o que é considerado atualmente como o politicamente correto, e voltar minha metralhadora giratória aos evangélicos (se com tudo que eu já escrevi até hoje sobre minha própria visão de mundo, igreja e religião ninguém tentou me exorcizar ou me impedir de entrar em algum templo, mais uma opinião polêmica, menos uma, que diferença vai fazer, né?). Eu escrevi isso há algum tempo no Facebook, e cada vez tenho visto mais motivos para repetir: VOCÊS ESTÃO FAZENDO ISSO DE UM JEITO MUITO ERRADO. Esse discurso do “nós amamos os homossexuais mas não amamos o homossexualismo” é vazio. Desculpa. Eu entendo o princípio, mas a argumentação tá furada. Ok, eu posso dizer que amo os matemáticos mas odeio a Matemática. Opinião registrada, eles vão continuar muito bem, obrigado, vivendo a vida deles do jeito que acham que devem viver. Com os homossexuais é quase isso. A ideia que o discurso de vocês tá passando é “olha, eu amo você, mas tua passagem pro inferno já tá comprada, viu? Malzaê”. Amigo, o que o cara faz entre quatro paredes é da tua conta? Por acaso ele se mete na forma como você transa com a tua mulher? Pense bem. Eu acho que a resposta é não pra ambas as questões. “Ah, mas Deus vê tudo!” Ok, então deixa que Ele resolve o que vai fazer com a vida (ou a alma) do camarada, e para de se oferecer como porta-voz do Divino. Ou, pior, como promotor – se eu bem me lembro, quem exerce essa função é outra figura, ex-angelical. Qual o problema de dois homens ou duas mulheres andando de mãos dadas? Qual o problema deles se beijarem? Você se sente incomodado, como eu mesma já admiti que me sinto? NÃO OLHA. Simples, não? Resolve seu problema e deixa os outros serem felizes em paz. “Mas nossa função, dada por Jesus, é pregar o evangelho” e blá, blá, blá. De novo, se eu estou bem lembrada, a frase é “Ide pelo mundo e PREGAI o evangelho”, e não “OBRIGUE OS OUTROS A SEGUIREM o evangelho”. Percebem a sutil diferença? O pregai, nesse caso, não significa enfiar na cabeça dos outros à base de marretada. Pense nisso. Meu ex costumava dizer que Deus não precisa de advogado. Vão ajudar aos necessitados e falar do amor de Deus – porque, amor sim, é algo que tem faltado muito por aí e precisa ser propagado.

Então, agora que já dei motivos pra levar pedrada dos meus irmãos evangélicos, vamos fechar o caixão com o ódio dos LGBTSEGRKLHOXS (a cada ano essa sigla aumenta mais, não consigo acompanhar). Primeiro: independente do que minhas opiniões religiosas digam, o Estado é laico, então o que o Legislativo decide, eu cumpro. Sendo muito sincera, não esperem me ver comemorando a conquista do casamento gay, porque isso não me atinge em particular. Querem casar e a lei permite? Casem. Querem divorciar? Divorciem-se. Não vou levantar bandeiras, desculpem. Respeito cada um de vocês, a dificuldade que enfrentam, os preconceitos inclusive com agressões. Fdp é fdp independente de cor, sexo, gênero, religião ou condição financeira. Só o que tá me dando nos nervos é o uso desse preconceito – que eu sei que existe, não sou cega nem burra – pra um estardalhaço algumas vezes sem sentido. Pra que, por exemplo, retratar imagens de santos como gays? Pra desafiar a Igreja Católica? É assim que vocês esperam respeito, descendo ao nível de quem fala e faz merda? Desafiando quem acha que vocês são pecadores? Gente, na boa, relações homem com homem e mulher com mulher sempre existiram em qualquer sociedade, em qualquer tempo, mas aceitem, quando a Bíblia foi escrita – e pelas pessoas que viviam naquela época, naquela sociedade, e a escreveram – homossexualismo era ABOMINAÇÃO. Tá lá escrito, não sou eu que tô dizendo. Ponto. Se os caras acreditam nisso, deixa os caras, pô! CLARO, lembrando: deixa os caras desde que não agridam vocês. Respeito é o princípio primordial da boa convivência em sociedade, e isso tá além de religião. Muitos de vocês acham os religiosos boçais e ignorantes – e isso nem tá ESCRITO em lugar nenhum, imagina eles, que têm registro escrito. Fica difícil vocês conquistarem os religiosos pra causa de vocês – que eu acho justa – desafiando-os dessa maneira, ou querendo, por exemplo, casar na igreja. Entendam: religiões são feitas de DOGMAS. Não dá pra você se meter numa religião sem acreditar PELO MENOS nos princípios fundamentais dela. Não dá pra eu ser cristã se pra mim Jesus foi só uma historinha inventada por um imperador romano. Não dá pra eu ser do candomblé se eu sou contra sacrifícios de animais. Não dá pra eu ser kardecista se não acredito em espíritos. Captaram? “Ah, mas existe uma igreja que casa homossexuais”. Sorry, mas não é igreja. É uma seita. Como eu já disse pra uma amiga, se você pegar trechos descontextualizados da Bíblia, você pode provar quase qualquer coisa – desde ET’s até que Deus não existe ou é um cara muito, mas muito ruim. E o contexto, no caso homossexual é: os judeus do I século não admitiam a prática. Ponto. Não só por julgarem anti-natural (por favor, estamos falando de I século, não me venham com ladainha sobre o que é “natural” hoje), como também porque era comum a várias outras sociedades e os judeus tinham uma coisa de querer ser diferentes (é, estou sendo simplista pra economizar espaço e tempo). Esse é o contexto. Estou estudando o livro de Levítico, e o texto que se posiciona contra a prática é muito claro (pelo menos no que se refere a homens, que era quem realmente importava pra época). Isso afeta seu dia a dia? Desde que não joguem uma Bíblia na sua cabeça, eu acho que não. Então, queridos, espalhem a alegria de vocês pelo mundo, beijem muito na boca, lutem pelos seus direitos, mas parem de desafiar os que não entendem ou não concordam. Sejam magnânimos e deem aquilo que eles não sabem ou ainda não conseguem dar a vocês: respeito. Todo mundo tem limitações. Vocês também as têm. Subam no salto, façam a egípcia e finjam que não está acontecendo nada. Porque se vocês respondem no mesmo tom, acabam perdendo a razão.

Enfim, o povo anda por aí fazendo marcha a torto e a direito, pra cima e pra baixo, sem refletir muito no que fazem, falam, ou as ideias que estão passando pros outros – que muitas vezes acabam sendo um tiro no pé. Antes de quererem tirar o demônio do meu corpo ou me acusar de lésbica enrustida, parem, pensem, reflitam nas bandeiras que estão levantando e, principalmente, no PORQUE e COMO as estão levantando. Não sejam como o soldadinho com cabeça de papel da cantiga infantil.

3 Response to "Marcha, soldado, cabeça de papel..."

  1. Jaime Guimarães says:
    12 de julho de 2011 às 00:33

    Com tanta marcha por aí, também prefiro marcha soldado/cabeça de papel...ops! Como assim "cabeça de papel"? Isso não é politicamente correto, vamos fazer uma marcha em relação a isso!

    "Pra que, por exemplo, retratar imagens de santos como gays? Pra desafiar a Igreja Católica?" Isso também acabou chamando a atenção e olha que eu nem ligo se tem parada Gay na cidade ou não ( mentira: eu tenho que ficar ciente para saber quais as ruas serão interditadas. Sorry, galera!). Houve um caso aqui em Salvador de uma parada GLBTS em que alguns homossexuais nos trios elétricos ( claro!) acusavam "fulano que mora naquele apartamento é homofóbico!" e tome vaia e outras manifestações - ao menos não voaram garrafas, talvez se fosse Carlinhos Brown... como diria o seu Irênio, porteiro aqui do prédio e gente finíssima, "aí queima o filme".

    E sobre a religião...dois senadores deste maravilhoso Estado laico afirmaram suas convicções: o da Bahia afirmou que serve primeiro a Deus e depois ao Estado e o do Espírito Santo tem um projeto que obriga a leitura de um versículo bíblico ao início de cada sessão parlamentar. Amém?

    Creio que ninguém vai te recomendar uma Sessão do Descarrego ou te acusar de lésbica enrustida. #oremos

  2. Anônimo Says:
    25 de julho de 2011 às 17:19

    E aí dona Fabiana, tudo em riba?
    Gostei do seu post, você é a evangélica mais legal que eu conheço rsrs, no top 10 a number one, rs.
    Isso tudo é moda sabe. Marchar, protestar, gritar aos quatro ventos que é gay, menininha gostar de outra menininha, ser emo, fumar uns backs etc etc etc.
    Tá na moda ser gay. Pode reparar. Até eu às vezes fico pensando se não faria mais sucesso desmunhecando por aí kkk
    A questão toda se resume numa única palavra: respeito. Quando as pessoas respeitarem as diferenças, essa moda toda aí muda.
    Beijinhos pra você flor (rs)

    Azul
    (poutz, não tô conseguindo postar no seu blog com a minha conta...)

  3. Fabiana Amaral says:
    17 de agosto de 2011 às 02:12

    Hahahahaha, adorei seu comentário, Jaime! Oremos, sim, porque o povo anda querendo exorcizar demônios por muito menos... ;)

    Azul, o povo não-evangélico costuma achar minhas ideias meio estranhas, o povo evangélico costuma achá-las meio heréticas... Mas tamos aí, enquanto a inquisição não voltar, rs... Também acho que tem rolado muita modinha - mas é melhor não me aprofundar por aí, senão daqui a pouco sou acusada de homofóbica. Eu acho que cada um tem o direito - ou deveria ter - de ser feliz como achar melhor, e com quem achar melhor. E os outros não têm absolutamente nada a ver com isso...
    Beijos!!

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