Ad Exstirpanda


Eu já disse por aqui que sou evangélica. Protestante. Crente, ou qualquer outro adjetivo que preferirem. Batizei-me na Igreja Metodista por livre e espontânea vontade (antes disso meus pais me batizaram na Igreja Brasileira e na Igreja Católica, quando eu era pequena demais pra emitir muitas opiniões a respeito – aliás, não me perguntem a diferença entre elas. Era recém nascida no primeiro batismo, e tinha uns 6 anos no segundo; o padre da Católica me perguntou “por que você tá se batizando?” e eu respondi “porque meus pais mandaram”). Escolhi a Metodista, já adulta, por me parecer uma igreja coerente, não muito propensa a modismos, além de ser equilibrada em seus princípios. É claro que isso não é 100% verdade em todas as igrejas dessa denominação; e é claro também que eu discordo (como, logo eu, poderia não discordar de algo?!) de um monte de coisas (minha pretensa-futura-orientadora me chama de “crente de merda”, mas tudo bem). Mas, religião, pra mim, é algo que faz bem. Ritos, essas coisas; genuinamente me sinto mais próxima de Deus. Eu gosto.

Aí eu vi hoje, na TV, que o Diante do Trono vai estar no Faustão. Há um tempo estiveram Aline Barros e Fernanda Brum. Noutro dia eu liguei a TV num sábado de manhã e, zapeando os canais (eu não tenho TV a cabo), constatei que, de 6 canais que pegam por aqui na roça, 3 – TRÊS – passavam programas religiosos (evangélicos, protestantes, crentes, etc). Recentemente comentaram no meu Facebook que iam votar no Serra porque “pelo menos ele não é ateu, como alguém que não crê em Deus vai pensar no próximo?”. Aqui nos fundos da minha casa, a vizinha resolveu fazer culto todo santo dia e, enquanto ela canta que “meu corpo é de Deus, minha alma é de Deus”, é inevitável eu pensar que a voz, em compensação, deve ser do... Bem. Deixa pra lá.

Por que todo esse preâmbulo? Eu deveria estar feliz com toda essa “expansão do Evangelho” – como eu sei que muitos amigos meus estão –, não deveria?

Pois é. Mas eu não estou. Para falar a verdade, isso me deixa com medo. Muito medo.

Um comentário de um amigo da minha tia – homossexual (o amigo, não minha tia) – expressa bem meu medo. Ele disse: “ainda bem que eu não vou estar vivo pra ver a volta da caça às bruxas”. Exagerado? Eu acho que não.

O grande problema que eu vejo nessa situação são as pessoas que fazem da religião (e dos pastores, padres, etc) seu guia de vida. Porque, sinceramente, pensar dá trabalho. Cansa pra caramba. Às vezes destrói fantasias cultivadas durante anos. Eu sei disso. Tão mais confortável, tão mais cômodo só beber da água dada pelos outros, ao invés de ir lá, quebrar pedra com a mão até achar uma fonte... Só que o problema é que, confiando na água que os outros dão, você corre o risco de beber água da torneira. Água contaminada. Água com “coliformes fecais” – e, olha, em matéria de religião é o que mais tem por aí. Sempre foi assim, pra falar a verdade. Sócrates foi condenado por “corromper” a juventude de Athenas; Catarina de Médici insuflou o povo francês contra os huguenotes (protestantes), e o resultado foi o massacre da Noite de São Bartolomeu. Isso porque eu quis fugir dos exemplos mais do que conhecidos das Cruzadas, da Inquisição, e da perseguição de Hitler aos judeus. A História tá aí pra quem quiser ver do que as pessoas são capazes em nome da religião.

Para onde quer que você se vire, depara-se com uma igrejinha de fundo de quintal. Não precisa procurar muito pra encontrar canais de TV e emissoras de rádio com programas religiosos. E alguém já parou pra se perguntar se o que eles pregam, o que eles anunciam, é minimamente correto em matéria de ética? E aí eu não estou nem entrando na questão da interpretação bíblica; vejam bem, estou falando de ética, um princípio básico de convivência humana, independente de crenças.

Acho bacana aqueles grupos que fazem “desfiles” durante o carnaval, pregando. Não critico os que vão para manifestações como paradas gays pra defender o que pensam. Graças a Deus, nós – ainda – vivemos num país livre, e eles têm tanto direito de estar ali, num local público, quanto os outros (e o inverso também, antes que me esqueça), desde que não transformem sua presença em motivo de guerra ou falta de respeito para com os outros que pensam diferente. Manifestações pacíficas nunca fizeram mal a ninguém. Mas esse é o problema; até onde vai o diálogo entre diferentes e onde começa a falta de respeito?

Eu entendo o raciocínio cristão. De verdade (por mais que alguns provavelmente me considerem meio herética; não faz mal, eu AINDA posso pensar diferente da maioria sem risco pra minha vida – só uns olhares tortos e umas críticas veladas, mas acho que consigo conviver com isso). Se você acredita no binômio céu / inferno, sendo um bom e o outro ruim, é claro que você não vai querer que as pessoas acabem indo para o caminho ruim. É bonita essa preocupação com o outro. É coerente. De verdade. O que não é coerente é, pra usar uma piada comum no meio, meter um trezoitão na cabeça do maluco e dizer “aceita Jesus senão morre”. Alow? Livre-arbítrio, alguém?

Encher o saco do seu amiguinho com trechos decorados e descontextualizados da Bíblia não é coerente. Perturbar a paz do seu vizinho com sua voz estridente e desafinada não é coerente. Fazer cultos GRITADOS (alguém avisa que Deus não é surdo?) todos os dias pra, à noite, falar todos os palavrões conhecidos e alguns desconhecidos com o marido não é coerente. Condenar ao inferno aquele homossexual da TV não é NADA coerente (quem é você para condenar alguém a alguma coisa?! Tem a formação de juiz? Ótimo; no máximo você condena alguém à cadeia e olhe lá, retire-se a sua insignificância). Eleger alguém a presidência de um país, sem sequer saber da sua plataforma política, seu passado político, e as aspirações do partido ao qual é filiado só porque ele “crê em Deus” (ou pelo menos diz isso), mais do que incoerência, é BURRICE – e, desculpa, com burrice eu não tenho muita paciência. É um defeito meu, sorry. Burrice não é ignorância; meus pais não têm culpa de, quando jovens, não terem encontrado condições financeiras de estudar. Burrice é ter PREGUIÇA DE PENSAR. É aceitar o que os outros dizem como verdade única e absoluta, e apontar o dedo na cara de quem pensa diferente, sem qualquer argumento, exceto o “é porque é, se não fosse não seria”. Olha, eu não consigo engolir essa justificativa nem quando se refere a algo banal, como porque casa é com s e não com z. Quanto mais a algo sério como gente que acha que pode mandar na minha consciência.

Pode parecer brincadeira, mas é sério. Muito sério. A História tem padrões que se repetem. Repetem-se o suficiente pra me assustarem, vendo o rumo que as coisas estão tomando hoje. Não creio que as fogueiras voltem a arder nas praças, mas hoje em dia existem meios de perseguição psicológicos tão cruéis quanto. Quando minha tia mencionou o comentário do amigo dela, complementou: “daqui a pouco os homossexuais e as mulheres que fizeram aborto vão começar a ser párias na sociedade!” Bom, como eu respondi a ela, eu não sou homossexual, nunca fiz aborto e ainda sou crente... Mas, pra falar a verdade, eu também tenho medo.


P.s.: Antes que alguém apareça repetindo a velha máxima do “a religião é o ópio do povo”, lembro da Rússia Stalinista; lá, não havia a desculpa da religião pra justificar todas as atitudes hediondas que foram cometidas. Ou seja, ainda que não existisse o conceito de “religião” no mundo e todos fossem ateus, ainda assim o ser humano não teria respeito para com o próximo. Isso me parece muito lógico, já que a enorme maioria das religiões prega a paz, o amor e o respeito, e os homens conseguem perverter tudo e transformar esses princípios em preconceito.

3 Response to "Ad Exstirpanda"

  1. Rangele Guimarães says:
    24 de outubro de 2010 às 21:49

    É amiga, concordo com tudo o que dissestes (fora o negócio de ser metodista, apesar de conviver muito melhor no IPA do que na UFRGS huauhauha).

    Mas em um ponto tens a razão, quando escrevestes: "Burrice é ter PREGUIÇA DE PENSAR."
    Báh guria, é exatamente isso. Por agora por exemplo teu post caiu como uma luva aqui no que anda acontecendo pela volta... Minha afilhada (filha da Joyce) já tem mais de um ano, mal caminha e não fala (só grita), e eu e meu pai sempre falando para levar a guria num médico... Mas não. Segundo ela "Jesus salva" e se "ELE" quis assim é para ser assim. E neste momento tem um bando de gente na casa dela gritando aos 4 ventos em volta da guria... Sim, Deus realmente não é surdo. Mas nestas horas me dá um pouco de raiva da bitolação alheia que acabam movendo massas de pessoas a uma histeria sem sentido.

    É complicado demais esta vida sabe. Não creio que a "queima às bruxas" possa voltar, mas com toda a certeza a intimidação já está ai, nas ruas, tentando a todo custo que muitos calem-se diante do inevitável "bem maior", sem que este bem, seja a própria liberdade de escolha...

    Complicado... Muito complicado...

    Abraços.
    Gele

  2. Rangele Guimarães says:
    25 de outubro de 2010 às 14:21

    Voltei a postar no blogspor:
    http://unaiessoparte.blogspot.com/

    Só para tu saber... Ia voltar pro sapo, mas depois importo as coisas para lá...

    O multiply me cansou e na facu agora bloquearam ele rsrsrs.

    Tchucas
    Gele

  3. Fabiana Amaral says:
    1 de novembro de 2010 às 19:00

    O que essa gente não entende é que "Deus" nos deu a medicina pra alguma coisa, né não?!

    Aff, não tenho paciência com essas coisas. Não tenho mesmo.

    E você sempre pra lá e pra cá nos blogs da vida... Consegue ser pior que eu... rs

    Tchuca

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