Mas que inferno!


"O reverendo Charles Scicluna, responsável pelas investigações do Vaticano sobre acusações de molestamento de crianças por padres católicos, disse que os culpados 'sofrerão uma condenação no inferno que seria pior do que a pena de morte'".
http://br.noticias.yahoo.com/s/29052010/25/mundo-molestadores-criancas-vao-inferno-diz.html

Meu caro reverendo, o senhor sinceramente acha que alguém que tem um distúrbio a ponto de molestar sexualmente crianças às vezes de cinco, seis anos, está mesmo preocupado se vai pro céu ou pro inferno?! Aliás, alguém hoje em dia encara essa perspectiva com uma real preocupação?

Quer dizer...

Ok, eu sei que há gente que de todo o coração acredita lá na caverna embaixo da terra, ardendo em fogo, com um monte de capetinhas com tridentes espetando as... Ehr... os traseiros dos pobres condenados à danação eterna, com o capetão-mor (ou "inimigo", como querem alguns) balançando o rabo, sorrindo ferozmente enquanto se delicia com o sofrimento alheio, por mais medieval que a cena possa parecer. Eu, enquanto protestante, tenho minhas questões histórico-filosóficas com isso.

Eu conheço pelo menos uma dúzia de "crentes" (insira aqui a interpretação que bem lhes aprouver, seja com conotação pejorativa ou não, dependendo de sua experiência com esses seres - lembrando que "crente" é aquele que crê, o que não necessariamente se resume a evangélicos ou protestantes [que pra mim dá no mesmo, mas tudo bem] - portanto, se você crê na Grande Abóbora ou nos Jedis, você também é crente) que me condenaria a uma temporada eterna ao lado do chifrudo por conta dessa minha opinião. Eu particularmente dispenso, não me dou bem com calor (e calor por calor, eu moro no Rio de Janeiro, o inferno não pode ser muito mais quente do que a sensação térmica de 50°C que deu neste verão). Well, mas eu tenho cá meus argumentos pra questionar a real existência desse ser mítico, mesmo fazendo parte da turma dos "crentes".

Primeiro o argumento histórico. Até a Primeira Diáspora, também conhecida como "Exílio Babilônico", os textos judaicos descrevem Lúcifer como um anjo a serviço de Deus. Vê-se isso no livro de Jó, onde o capiroto pede autorização para pentelhar o pobre coitado do Jó, que tava lá todo pimpão na dele. Mas, no final das contas, Deus chega, bota ordem no pedaço e resolve. É assim que eu acho que deve ser, e é assim que eu penso que é. O "mal" tem seu papel por algum motivo - até porque, vamos combinar, quando tá tudo às mil maravilhas você fica estagnado. Só aprende a andar quem mete a cara no chão algumas vezes. Soa meio pessimista, mas assim é o mundo. O ser humano é um bicho acomodado.

O diabão lá só começou a ganhar status de muito importante depois da Babilônia. Porque lá os "jacozinhos" se depararam com uma religião chamada Zoroastrismo, que tinha por princípio um deus do bem e um deus do mal. Os caras acharam isso legal, e promoveram Lúcifer. De anjo sob as ordens de Deus, começou a ser o "adversário de Deus".

Aí entra minha questão filosófica; mas Deus não é soberano? A Bíblia não diz que "não cai uma única folha de uma árvore sem que Ele saiba"? Como assim um anjo - a Bíblia diz, inclusive, que os anjos estão abaixo dos humanos quanto à preferência do Todo-Poderoso - pode fazer frente àquele que criou tudo? O cara viraria pó celestial só de pensar isso, vamos combinar.

Ops. Temos uma contradição aí.

Aliás, eu acho muito cômodo desses meus "irmãos" que dizem que tudo que acontece de ruim foi o "inimigo" que agiu. Inimigo o caramba, eu tenho livre arbítrio, pô! Não sou uma peça de xadrez num jogo entre Deus e o diabo não! É muito confortável fazer as merdas e depois se justificar dizendo que foi "o diabo" que o tentou. Aham. Tá bom. E eu sou o anjo Gabriel, prazer. Toma vergonha na cara de assumir os erros e arcar com as consequências. Isso é mais cristão, simplesmente porque é mais sincero. Vide Davi, que matou, cometeu adultério, pintou e bordou, e depois foi lá chorar as pitangas com Deus e aguentou pianinho o resultado. Mas não acusou ninguém das merdas que fez.

Portanto, meu caro reverendo Scicluna, eu acredito, sim, na justiça divina, mas não acho um bom negócio esperar o inferno dar um jeito nessas criaturas que molestam crianças. Por mim, enfia na cadeia, cobre de porrada e depois deixa descansando na salmoura, enquanto pensa em seus pecados. Já que estamos tratando de soluções medievais (inferno e talz), um castiguinho medieval estaria coerente, né não?

* Antes que apareça algum amiguinho seguidor de Lutero (ou de Calvino, ou do Papa, ou de Henrique VIII [sic], whatever) querendo me exorcisar, lembro duas coisas; primeiro, cada um é livre pra crer naquilo que achar melhor. Isso tá na constituição do nosso lindo país. Se você se sente satisfeito pensando nas pobres almas queimando eternamente numa caverna de lava, ok, seja feliz com seu pensamento "cristão", e me deixe em paz. Segundo, além de ter sido ensinada sob os auspícios sábios de John Wesley ("no que não abala os alicerces do cristianismo nós pensamos e deixamos pensar"), o que vai acontecer depois da morte é uma coisa que só morrendo vamos saber. Então não me encham o saco, e esperem morrer pra saber quem tem razão, ok? Um pouquinho mais de paciência, porque todos vamos descobrir algum dia. Depois vocês me contam. Ou eu conto, se for primeiro. Ou não também, eu posso estar confortavelmente curtindo a brisa do céu numa nuvem fofa, ouvindo uma orquestra de anjos tocando harpa (eu já disse que adoro harpa?). Ou cozinhando no inferno segundo vocês, sei lá.

** Em tempo: Não, eu NÃO disse que os metodistas (John Wesley e talz) pensam dessa forma. Estou dizendo que EU tenho liberdade suficiente pra pensar. Não fui eleita representante da doutrina da Igreja Metodista; sigo-a por achá-la coerente, mas isso não quer dizer que eu concorde 100% com ela. Aqui eu represento minhas próprias ideias. Que, inclusive, já mudaram várias vezes e podem voltar a mudar.

3 Response to "Mas que inferno!"

  1. Rangele Guimarães says:
    2 de junho de 2010 às 17:22

    Ei Nady, concordo com todas as suas palavras... Vem cá, monta uma nova Igreja aí que tu já teria alguns seguidores huahusahuauhsa. Mas dos males o pior: Pior mesmo foram as declarações de um Arcebispo daqui do Sul que dizia atrocidades como "um dia estaremos falando sobre os direitos dos pedófilos, assim como hoje se tem os direitos dos homossexuais", entre outras coisas, que bem ao estilo GAY de ser, apenas exclamo: Tô bege com isso tudo, santa purpurina!

  2. Rangele Guimarães says:
    2 de junho de 2010 às 17:23

    aliás, dos males o menor né kkkkkkk

  3. Fabiana Amaral says:
    2 de junho de 2010 às 17:48

    Que mané montar igreja, já tem igreja demais por aí, eu hein...

    Só me parece que esses caras tão achando que Deus pode ser guardado numa caixa. Que Ele se restringe ao que diz a Bíblia - que deve ser interpretada e levada a ferro e fogo, exceto a parte que fala sobre amor, tolerância, etc. Será que Deus é tão limitado que se resume a um livro?!

    Como diz Ricardo Gondim (um outro 'crente' que, segundo esses radicais, deve me fazer companhia no inferno), "Deus não se revela nas teorias herméticas".

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