De escritas e sentimentos – uma breve pausa


Acho que não posso me considerar uma escritora, na total acepção da palavra. Sei que escrevo. Faço isso com regularidade há alguns anos. Gosto e preciso da escrita, sempre foi minha válvula de escape. Se o que escrevo tem ou não qualidade pra que eu seja considerada uma “escritora” são outros quinhentos – e não vem ao caso, de todo modo.

Comecei este texto assim porque, quem me conhece há alguns anos, sabe que, se comparado aos meus outros blogs (inúmeros espalhados por aí) este tem sido surpreendentemente impessoal (já fui criticada por uma amiga por conta disso, inclusive; outra, por sua vez, acha melhor assim. Eu sigo conforme minhas necessidades do momento). Aliás, se é que eu consigo encontrar alguma característica nos meus textos é essa: pessoalidade. Em geral sou bastante intimista no que escrevo. Já escrevi de crônica a poesia (de versos brancos a sonetos), de crítica a romance, de textos transbordantes de sarcasmo e ironia até declarações de amor rasgadas. Tem tudo disso por aí, perdido na rede (e alguns guardados no micro, porque apaguei da WWW por nenhuma razão fixa, ou talvez por várias razões – simplesmente assim o quis). Já falei de política, religião, literatura, filmes, amor, paixão, saudade, elfos, História, dança e mais um milhão de outras coisas. Gosto de entremear meus textos com parênteses e hífens – eu preciso sempre explicar tudo muito bem explicado. É quase TOC.

Mas o fato é que, do meu último blog – o primeiro que efetivamente apaguei – pra este, uma mudança bastante considerável se deu, não só na escrita. Minha vida, meu pensamento, muitas coisas mudaram. E hoje, não sei exatamente porque, me deu vontade de escrever sobre isso. Sobre escrita. Sobre o que escrever significa pra mim, e porque escrevo. E porque parei de escrever sobre umas coisas pra escrever sobre outras.

Perdi as contas de quantas vezes mais de uma pessoa me perguntou “por que você escreve?” pelas mais variadas razões. A maioria que me perguntou isso achava que eu me expunha demais – não posso deixar de concordar. De certa forma era uma exposição, e eu nunca soube explicar direito o porquê disso. Uma espécie de voyeurismo invertido, talvez? Não sei. Mas eu sempre precisei expulsar coisas de dentro de mim escrevendo, e em geral elas vinham parar na internet. Poderia guardar num arquivo no micro; sim, poderia. Algumas coisas estão guardadas assim, inclusive. Mas há uma espécie de narcisismo em ser lida que só quem escreve pode realmente entender. Não tenho a intenção, nunca tive, de ser uma “blogueira conhecida”, ou algo do tipo. Basta alguns poucos leitores, mesmo pessoas que não sabem absolutamente nada de mim e chegaram aqui por acaso, numa busca qualquer na internet (alguns dos melhores blogs que já descobri e que sigo até hoje eu encontrei assim). Tanto que meus outros blogs não figuravam nos meus perfis em redes sociais, não eram tão fáceis de encontrar. Mas eles estavam lá, disponíveis a buscas fortuitas – e às vezes a buscas nem tão fortuitas assim, e em geral eu sabia exatamente diferenciar umas das outras. Não sei como acontece com os outros, mas palavras que são escritas e não são lidas, pra mim, soam como se nunca tivessem saído do pensamento. E isso é incômodo, porque eu escrevo justamente pra me “livrar” delas – é quase uma “penseira”, pra quem conhece o mundo de Harry Potter. Por outro lado, às vezes eu perco horas e horas relendo o que escrevi, seja recentemente, seja há alguns anos. É alguma espécie de auto-análise, sei lá.

Mas eu sou uma pessoa essencialmente apaixonada. Não lembro exatamente qual foi a última vez em que fiquei mais de um mês sem estar apaixonada por alguém. E, obviamente, meus blogs retratavam isso. Raivas, incompreensões, explosões passionais, saudades, enlevo – de tudo um pouco, registrado em palavras por aí. Menos de algum tempo pra cá.

Quando resolvi criar este blog, eu queria me desvencilhar disso. Queria trocar a intimidade pela análise da superfície (logo eu, que não suporto superficialidades!). Queria trocar a escrita de sentimentos por uma escrita quase “acadêmica”. E a passagem de um modo a outro foi tão radical que eu quase comecei a escrever aqui obedecendo às normas da ABNT. Mentira, não chegou a tanto. Mas a ideia era mais ou menos essa. Não que eu não estivesse apaixonada quando resolvi isso; talvez tenha sido exatamente o oposto. A questão talvez fosse estar experimentando um sentimento tal que já não cabia mais nas palavras. Coubera antes. E como. Escrevi praticamente um livro, muitos e muitos poemas e prosas, alguns textos que eu considero os melhores da minha vida (e, pelo meu grau desumano de exigência, são bem poucos) foram dedicados pra essa pessoa. É, deu um livro, eu tenho a coisa diagramada como tal. Mas chegou um momento de ruptura. Não o fim de um romance, não uma despedida, não uma traição, não o fim de um amor, nenhuma dessas situações folhetinescas (pelas quais já passei ao longo da vida). Simplesmente... Um momento de mudança. Ou talvez de entendimento. O que, no final das contas, não é necessariamente auto-excludente, pelo contrário. Eu diria que são complementares.

Ainda não sei exatamente qual a relação disso com o que eu escrevia antes. Ou como escrevia. Quando aconteceu, eu tinha algo em mente; hoje, vejo que vai bem mais além. Chamo de “ruptura” porque eu sinto assim. Durante algum tempo eu mantive dois blogs, um mais antigo e "pessoal", e este; há poucos meses essa ruptura se fez total, quando apaguei o blog anterior. Deletei totalmente, tirei da rede, disponibilizei o endereço. Me desfiz por completo – no mundo virtual, porque o backup dele está aqui guardado. Queria começar algo novo, precisava urgentemente mudar, precisava me desfazer de algo. Acho que, simbolicamente, queria me desfazer do sentimento de posse a que todos hoje em dia chamam de amor.

Eu tenho muito cuidado com essa palavra, esse verbo, o tal do amor. Raríssimas vezes meus amigos mais próximos me ouviram – ou leram – uma declaração assim vinda de mim. É um troço muito sério. E vai ficando mais sério com o passar do tempo, porque a maturidade vai me fazendo entender o que é de fato e o que eu um dia achei que fosse. É algo muito perigoso e pode machucar. Já confundi uma profunda amizade com amor romântico, amor homem-mulher, e o resultado foi que perdi ambos, o amigo e o namorado. Já disse a famosa frase “eu te amo”, no sentido romântico mesmo, basicamente pra quatro pessoas. Dessas, hoje vejo que só amei de verdade duas. E, mesmo essas duas, foram de formas tão distintas que eu chamaria os sentimentos de nomes diferentes, se meu vocabulário assim permitisse.

Posse. Talvez isso diferencie essas duas instâncias. É óbvio que quando você ama alguém quer ter a pessoa por perto. Quer tê-la ao seu lado. Mas isso é diferente de posse. Hoje eu entendo, quando vejo a primeira pessoa a quem eu realmente amei, que o que sentia na época era mais posse do que amor propriamente dito - eu era uma adolescente. Entendo isso hoje porque consigo ficar feliz por ele, por saber que conseguiu coisas que tanto almejava, como família, filho. Sinto saudades – não como homem, mas como um amigo muito querido, muito amado. Não, isso não é confundir amizade com amor; isso é o que sobra do amor, depois que o fogo da paixão se extingue, e você perde o sentimento de posse: amizade. É um querer-bem diferente, que nada tem de “erótico”, de físico, de passional.

Mas eu tenho aprendido um outro tipo de amor, o amor sem posse. Wow, não é nada fácil, viu. Até porque o raio da paixão não existe sem o sentimento de posse, e controlar isso é algo muito complicado. Mas não há nada melhor pra arrefecer uma paixão do que tempo e distância. Certo? Não necessariamente. Creiam-me, não necessariamente MESMO. Quando há alguma coisa maior por trás, a paixão pode até arrefecer, diminuir até virar uma brasinha tão pequena que você jura que já tá extinta, nem a sente lá. Mas experimenta diminuir a distância, tenta driblar o tempo. Nero ficaria com inveja, porque o incêndio de Roma perde. Ou seja, a questão não é a paixão. Aliás, é ela que imprime o sentimento de posse a que as pessoas erroneamente chamam de amor. Eu tenho entendido que eu posso amar alguém mesmo sem ter esse alguém comigo (não que eu não QUEIRA tê-lo, querer eu quero, mas nem tudo é como a gente quer; o lance é que eu não PRECISO tê-lo pra continuar amando-o). Mesmo se passar anos sem vê-lo. Mesmo que eu siga uma vida muito diferente da dele, diametralmente oposta, com outra pessoa, uma outra história. É pensar que, caso a vida nos jogue cada um num lado diferente do mundo, o dia que nos reencontrarmos tenho certeza de que vou pensar (e dizer): “Eu sei que teríamos sido felizes juntos. Mas, mesmo assim, ver você me faz feliz”.

Tendo entendido isso – embora muitas vezes a paixão ainda turve o entendimento e eu esqueça tudo por algum tempo –, acho que se deu a mudança. Uma mudança de dentro pra fora. Eu não preciso mais extrair os excessos desse sentimento, pra não ser sufocada por ele, como fazia antes. Agora já lido melhor com o silêncio. As palavras antes não davam conta; agora elas já quase não se fazem mais necessárias. Não escritas, pelo menos. Meu momento é de silêncio, porque ainda acontecem embates sérios e ferocíssimos dentro de mim pra aceitar essa ideia de amor sem posse. Preciso absorver tudo isso, porque não é algo fácil – talvez sequer compreensível pra alguém além de mim.

Por isso, voltamos à nossa programação normal.

3 Response to "De escritas e sentimentos – uma breve pausa"

  1. Anônimo Says:
    4 de fevereiro de 2011 às 15:27

    Oi guria! :)

    Entre todos os posts que já li no seu blog, esse foi o que mais me fez pensar - li duas vezes pra conseguir formular algo aqui na 'caxola', não que isso seja útil ou importante, mas enfim, rs...

    Pra começar, até hoje não vi nada de impessoal aqui. Posso estar absurdamente enganado, mas acho que consigo saber até mesmo pequeninos detalhes da sua personalidade lendo cerca de 1 ou 2 parágrafos que você classificaria como 'surpreendentemente impessoal'. Mais uma vez, posso estar enganado, não sei... Tudo depende do ponto de vista.

    Você falou de posse e amor. As pessoas costumam misturam essas duas coisas - sem generalizar, e eu penso que isso seja feito de modo involuntário (sempre devemos acreditar no lado bom e ingênuo das coisas e, nunca achar que algo é feito de modo proposital). Amar, na minha humilde opinião, não tem absolutamente NADA A VER com posse. Quem ama não espera algo em troca, nem presença. Amar é doar; eu amo pq simplesmente amo, independente do meu amor ser correspondido. Palavras, sorrisos, justificativas, desculpas, a espera disso me faz questionar se o sentimento à tona é realmente amor.

    Hum, quanto às classificações do amor... Você pode amar 10 vezes, todas elas serão diferentes. Só acho que, se você conseguir quantificar a intensidade, aí não é amor.

    Sobre a paixão, fica pro próximo comentário, falei demais já! rs

    Cuide-se! See ya!

  2. Fabiana Amaral says:
    7 de fevereiro de 2011 às 01:31

    Valeu, Derland! :)

    Oi, "Azul" (eu sempre lembro dos Smurfs quando leio isso)! Então... Não sei se "impessoal" seria a palavra certa, já que os textos que postei aqui refletem minha opinião sobre alguma coisa... Mas quando falo "impessoal" quis dizer algo como "não-sentimental". Eu tento não falar muito sobre como me sinto ou o que tem me acontecido - ou seja, fugindo um pouco do papel blog-diário que eu usei até então. Sobre a posse... Acho que ela é inerente à paixão. Seja por uma pessoa, seja por qualquer coisa - tipo eu querendo comprar o DVD do Le Roi Soleil na FNAC da França, sendo que o troço não vai rodar aqui. Mas eu PRECISO TER, entende? Consegui me controlar até agora, não sei até quando vou conseguir, rs. Agora, a paixão pode sim, fazer parte do amor; mas é só uma parte. E é esse o detalhe que faz toda a diferença: Tirando a paixão, o que fica? É nisso que tenho pensado ultimamente.
    Té mais! :)

  3. Anônimo Says:
    7 de fevereiro de 2011 às 01:56

    rs... Maurício, prazer!
    Hum, isso me faz pensar, também... rs
    Acho que entendi seu ponto de vista, acho...
    Até!

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