Das verdades inalienáveis

Algo que sempre me incomodou foi o pensamento de que as igrejas fazem "lavagem cerebral" em seus membros. Okei, vamos lá, eu sei que pipocam igrejas de fundo de quintal que pretendem apenas tirar o dinheiro dos incautos - mas sei também que ninguém te obriga a fazer nada que você não queira. Até pra ser hipnotizado é preciso uma certa propensão. Não é todo mundo que consegue. A questão é a seguinte: Pra mim, só sofre lavagem cerebral quem quer, ou quem já tem uma certa inclinação pra paixões cegas.

E aí nós temos os fanáticos, donos da verdade absoluta, que não admitem ser questionados. Comecei o texto falando das igrejas, mas isso não é privilégio religioso. Você ama tanto o Flamengo que é quase uma religião pra você? Sabe a escalação na ponta da língua e chora quando ele perde? Você é um fanático. Você já assistiu a Star Wars 179 vezes, sabe o nome de cada personagem, planeta de origem, história de vida e como morre (ou não)? Você é fanático. Você já leu todas as obras de Tolkien, sabe, inclusive, falar Sindarin ou Quenia? Você também é fanático. Você sabe exatamente como mover sua varinha e quais palavras recitar pra fazer um feitiço pra abrir uma porta trancada? É, meu amigo, você não escapa: fanático. Todo mundo tem seus fanatismos, em maior ou menor grau; a diferença é como você lida com eles diante de quem tem opinião contrária a sua, ou nem liga pro seu objeto de paixão. Hoje aconteceu uma situação no Twitter que me levou a pensar a respeito. Uma amiga, brasileira, casada com um americano e com dupla cidadania, simplesmente se irritou pela minha torcida a favor de Gana no jogo pela Copa do Mundo, e começou a ofender O BRASIL (oi????) por causa disso, culminando com um "Fuck you, USA haters!" quando saiu o gol americano. Ela não citou meu nome em lugar algum, e por isso eu não comecei uma briga infinita (e também porque eu ando no ritmo do Jairinho, do Chaves: "quero evitar a fadiga"), mas, quer dizer, faz sentido ofender seu próprio país e uma amiga por causa de um jogo de futebol?! Eu tenho minha posição ideológica com relação aos EUA, nunca escondi isso dela nem de ninguém. Respeito quem pensa diferente; com certeza tem seus motivos, assim como eu tenho os meus. E respeito também o direito que cada americano nato ou naturalizado, ou simplesmente alguém que seja apaixonado pelo país, tem de expressar esse amor. Acho bonito. Mas eu não acho bonito que se irritem quando EU expresso minha opinião, e tentem me convencer do contrário. Um americano falar mal do meu país, tá, eu até entendo. Vamos ficar numa discussão eterna, porque eu também tenho munição pra detonar o país dele, mas é cada um na sua. Ele, feliz lá, eu, feliz aqui. Mas daí a uma brasileira fazer isso em prol do país alheio - mesmo sendo o país do amor da vida dela e da filha, ainda assim, era necessário? E tudo por causa de um esporte que nem é tão famoso assim por lá?? É difícil de entender. E pior é ainda se sentir ofendida. Quer dizer, eu recebo um "fuck you" indireto e ela se sente ofendida. Então tá.

Pra mim o assunto morreu pouco depois do apito final do juiz. Não bati boca, comemorei, sem provocações desnecessárias, uma brincadeira aqui e ali como fiz com a desclassificação da França e Itália, e só. Continuo considerando-a minha amiga como antes, continuo gostando dela como sempre gostei. Acho a filhinha dela (americana) linda, assim como fico feliz por saber que ela está feliz vivendo lá. Mas, oi? Não, eu não amo os EUA, não, eu não acho que lá é o paraíso na Terra, aliás, não tenho um pingo de vontade de conhecer o lugar. Tenho medo da lavagem cerebral que eles fazem, te convencendo que o "American Way Life" é o modelo ideal de vida pro mundo todo. Tenho medo da liberdade mentirosa que eles vendem, e que só serve para os próprios americanos - você pode usufruir dela desde que siga a nossa cartilha. Eu sempre tenho muito medo daquilo que tenta limitar minha liberdade de pensar e expressar minha opinião, em prol de uma verdade absoluta. Embora atribuam essa frase a Voltaire, e não seja, ela resume bem os princípios apregoados pelo filósofo, além de se encaixar como uma luva com o que eu penso e tenho tentado (a muito custo, é verdade) viver: "Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo". Tenho amigos e conhecidos que estão torcendo contra o Brasil, na Copa. É um direito deles. Até porque, torcida não muda um milímetro o resultado, e não vou me indispor com eles por causa disso. Sou Flamenguista, razoavelmente apaixonada pelo meu time, mas já namorei um vascaíno - e nunca brigamos por causa de futebol. Sou evangélica, mas tenho amigos que são católicos, evangélicos tipo "rato de igreja", espíritas, umbandistas, agnósticos, ateus, e não me indisponho com nenhum deles por terem verdades diferentes das minhas. Até converso, quando o assunto surge, argumento, mas sempre mantendo a ideia que: você pensa de um jeito, eu penso de outro.

Pense bem sobre suas verdades absolutas, e até que ponto você tenta convencer os outros delas. Elas são absolutas pra você; podem não ser (e provavelmente não são mesmo) para o resto do mundo.

1 Response to "Das verdades inalienáveis"

  1. Magus Silva says:
    25 de julho de 2012 às 18:36

    Este blogue, uma criança com dois anos, poderia ter nascido hoje, amanhã, e porque não daqui a muitos anos. É tema que tem sido e que infelizmente será actual para sempre.
    é pena que a verdade seja tão ampla, ou tão repartida.E se não há verdades absolutas,cada um de nós detém apenas uma pequenina parte da verdade, mesmo assim convencido da sua absoluta verdade. Deve ser confortante manter a nossa verdade, como verdade total. Todos farão o mesmo, mais tolerantes uns do que outros, todos lutando contra a mentira, que vai ganhando terreno até se tornar verdade.
    quanto à lavagem de cérebro, eu sei lá,há cérebros tão fraquinhos, que se põem mesmo a geio para a lavagem

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